Apontes sobre a história do
clima do Rio Grande do Sul ao longo do século XIX.
Paulo Jolar Pazzini
Galarça.1
Resumo.
Na
documentação existem registros de impactos climáticos no Rio
Grande do Sul desde a época da colônia. Períodos de grandes secas,
enchentes e ondas de frios foram os de maior ocorrência. Também
desde o início do século houveram tentativas de estabelecer um
serviço meteorológico, procurando recursos para melhor entender o
clima gaúcho e adaptar as atividades sociais a essas variações.
Palavras
chaves.
Rio
Grande do Sul – impactos climáticos meteorologia.
1.Introdução.
De acordo com a literatura
oficial o início de um estudo sistematizado das características
climáticas do Rio Grande do Sul está ligado à fundação da
estação meteorológica da Escola de Engenharia em Porto Alegre, no
ano de 1909 (Carvalho,
1917). Portanto os
dados meteorológicos coletados, até o presente, são poucos para
analisar um fenômeno complexo como o clima, que não está restrito
as divisões cronológicas criadas pelo homem como anos e séculos.
A proposta do presente trabalho é fazer uma discussão sobre o
clima do R. S. para o século XIX, analisando também possíveis
relações climáticas locais para o mesmo século, em nível
hemisférico e mundial. Também analisar o processo de construção
da informação na climatologia histórica especificamente sobre o
Rio Grande do Sul.
2.Métodos.
A climatologia histórica ainda
é uma área bastante desconhecida no meio acadêmico brasileiro,
portanto é raro dados de referências relativas ao século XIX, na
literatura atual em nível nacional e no caso do Rio Grande do Sul
inexistentes.
Para este trabalho inicialmente
procuramos, na literatura internacional, metodologias para criar
recursos adaptados à nossa realidade de pesquisa. Mapeamos os nichos
com potencialidade de documentos do nosso interesse.
Também investigamos o trabalho
dos historiadores, especialmente gaúchos, cujos trabalhos embora
não tenha a proposta de análise do clima, por vezes o autor pode
citar um dado que por outra leitura com “olhar climatológico”
nos forneça pistas importantes.
3 Materiais.
Os recursos para o presente
trabalho consistiu na consulta ao nosso banco de dados construído
através dos seguintes procedimentos:
3.1 Levantamento bibliográfico
sobre o Rio Grande do Sul no século XIX, para melhor entender o
contexto social da época.
3.2 Levantamento bibliográfico
sobre o clima do Rio Grande do Sul, na atualidade, para usar como
recurso de comparação.
3.3 Mapeamento de arquivos
históricos com potencialidade de acervo documental do nosso
interesse. Além da visita física aos acervos fizemos um trabalho
pela internet procurando dados on line, em instituições com um
trabalho reconhecido. Constatamos que existe uma enorme documentação
sobre o Rio Grande do Sul, com dados climatológicos do século XIX,
espalhadas em acervos brasileiros e em outros países com na
Alemanha por exemplo.
3.4 Reunião com historiadores,
climatologistas e meteorologistas para discutir essas diferentes
produções científicas que estão relacionadas com a nossa área
de trabalho.
4 Resultados e discussões.
As fontes que usamos são
basicamente documentos produzidos localmente, como dados
administrativos, notícias de jornais da época, observadores do
clima aqui residentes e viajantes naturalistas. Os dados dos
viajantes são muito importantes para esse trabalho porém
com a restrição
de abrangerem períodos curtos, por estarem de passagem.
Na documentação histórica
sobre o Rio Grande do Sul, em especial as de épocas mais recuadas,
as condições normais do tempo meteorológico raramente aparecem
descritas. É mais comum encontrarmos registros de impactos
climáticos fortes, que não representam as características médias
do clima de um determinado local.
Aproximadamente pela metade do
século XIX é que começam a aparecer mais projetos de observações
meteorológicas feitas em estações, ainda muito localizadas, mas
que já permite ter uma ideia de condições médias.
Quanto aos dados que obtivemos
sobre o clima do Rio Grande do Sul ao longo do século XIX, aqui
discutiremos mais detalhadamente os descritivos.
5 Dados descritivos.
Nesta categoria estão os
registros documentais mais antigos e mais abrangentes espacialmente,
para o presente trabalho analisaremos as ocorrências que causaram
impactos climáticos muito fortes produzidos por secas, enchentes e
ondas de frio.
5.1
Secas e anos secos
1820
Para este ano, Santo-hilariense (1974) cita a ocorrência de uma
grande seca, observação feita pelo viajante e também relatos por
ele recolhidos nas diferentes localidades onde passou. O viajante
comenta que a seca estava atingindo uma grande área da província.
1825
-1827 Camargo (1868) cita que este período foi seco com a passagem
das estações quase imperceptível.
1858
Lalleman
(1980) refere-se a uma seca, com o período mais forte no verão e no
outono. Descreve essas estações, desse ano, como muito secas.
Segundo ele, durante este período inúmeros riachos e afluentes
secaram. Ele não dá detalhes em que lugares especificamente ele
observou a seca, com exceção da descrição que fez a respeito de
São Borja. Durante a sua estadia nesta cidade, no mês de abril,
comenta a crise da população, pela falta de água potável, devido
ao fato que a maioria dos poços secaram. O povo estava a ponto de
começar a se abastecer de água, para as suas funções básicas, no
rio Uruguai.
1877
Para
este ano a ocorrência de uma forte seca está muito bem documentada,
entre muitos registros que encontramos, relatando este impacto,
selecionamos alguns que ilustram bem a situação:
Grando
(1986) cita que no início do ano a seca já estava forte, segundo
ela
sem
a ajuda do governo havia risco de morte por fome entre os
agricultores mais pobres.
Costa
(1991) faz o seguinte comentário sobre esta seca:
Durante
seis meses não caiu, em todo o município de São Martinho3,
uma só gota d’água. No Povo Novo4,
o rio Guaçupi se transformou-se apenas em “um rosário de pequenas
poças”. Outras fontes da região se tornaram famosas porque ainda
se mantiveram vertentes. Os açudes secaram. As árvores dos matos
perderam suas folhas ao alcance do gado, como se fossem roçadas. E o
capim dos campos secaram completamente. Os antigos contam que os
focos de fogo na pastagem esbranquiçada deviam ser atacadas
imediatamente. Os animais magros eram sacrificados e arrastados, com
o ventre aberto, para deter a rápida corrida das chamas. Os rebanhos
foram dizimados e toda a plantação irremediavelmente perdida.
No
relatório remetido em 21 de maio de 1877, pelo Dr. João Dias de
Castro, 2.º vice-presidente da Província, este declara, ao
administrador da Província, que sob sua responsabilidade abriu um
crédito extraordinário para socorrer as vítimas da seca. Também
declara que tinha enviado circulares às municipalidades para
contabilizarem as despesas com indigentes vítimas desse flagelo
5.2 Enchentes e anos chuvosos.
1823
Franco (1998), em base da ata da Câmara Municipal de Porto Alegre
de 26 de maio, refere-se a uma grande enchente ocorrida na cidade.
Segundo ele, a cheia destruiu a maior parte das plantações
recentes, cujas colheitas ainda não tinham sido feitas. Em função
disso, houve a promulgação de uma lei proibindo a “saída de
gêneros para fora da terra”, (Rio Grande do Sul).
1833
Isabèlle
(1983),
em viagem pela então Província, observou uma enchente que, de
acordo com a sua descrição, foi muito forte. Segundo Franco (1998),
Isabèlle,
quando se refere a Porto Alegre, cita que a enchente causou grandes
prejuízos às casas do porto, Franco (ibidem)
afirma que o viajante estava se referindo à Rua da Praia, Ainda
neste ano houve enchentes generalizadas em todo o território
gaúcho. No mês de setembro, em Porto Alegre, a enchente atingiu
grandes proporções, segundo a Fundação de Planejamento
Metropolitano e Regional (METROPLAN,2001).
1873
No Relatório da Directoria Geral dos Negócios da Fazenda
Provincial, assinado por João Pedro Carvalho Moraes (1874), consta
o registro de uma grande inundação nos seguintes termos:
Em
conseqüência das grandes chuvas que cahairão sobre esta capital e
no valle do Jacuhy nos primeiros dias do mez de outubro do ano
passado avolumarão-se de tal forma as aguas do Guahyba que a
enchente assumiu proporções enormes produzindo grandes prejuizos
não só aos habitantes desta cidade e das ilhas fronteiras assim
como os afluentes daquelle rio.
Ottoni (1902) comenta esta grande enchente que, segundo ele, teve o
seu período mais forte em fins de setembro, esta catástrofe causou
“clamor” da população devido aos
grandes
prejuízos.
Em função disso, o governo imperial encarregou-o de elaborar um
projeto sobre a questão. [...]. Ele considerou, essa a máxima
enchente que atingiu o vale do rio Jacuí, embora afirme que foi mais
forte no vale do rio Ibicuí.
De
acordo com o relatório do Departamento Estadual de Portos, Rios e
Canais (DEPREC, 1941), ainda não havia medições da altura do
Guaíba. Mas, em base de relatos populares, calcula-se que esta
enchente alcançou a altura aproximada de 3,60 m, referida ao atual
ponto zero do porto da capital.
1878
Este ano foi de intensas chuvas no relatório de 1878 do
desembargador Francisco Farias Lemos, está registrado a ocorrência
de uma enchente nos seguintes termos:
Em
consequência de copiosas chuvas havidas nos primeiros dias do mez de
junho do anno findo, ficarão inundados as ilhas fronteiras a esta
capital e diversas povoações a oeste de S. Leopoldo. Apenas tive
notícia de taes factos, providenciei para o delegado da capitania do
porto, em um vapor de propriedade particular [...] fossem socorrer as
victimas de inundação, levando os víveres indispensáveis, afim de
serem distribuídos pelos que se achavam sem recursos [...]. Quanto
ao comandante da referida canhoneira, havia socorrido as povoações
mais próximas a esta capital, teve que regressar para tomar novas
provisões de víveres e levar a lugares mais distantes os auxilios
que eram mister [...].No mez de Dezembro crescerão
extraordinariamente as águas do rio Guahyba, em conseqüência de
chuvas abundantes.
1899
O Relatório de Obras Públicas (1900) cita uma série de
catástrofes ocorridas praticamente em todo o Rio Grande do Sul,
segundo este documento as cidades do interior mais atingidas foram:
Ijui, Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga e Cachoeira do Sul. Além das
enchentes ocorridas em Porto Alegre e arredores, a cidade, nesta
ocasião, foi fortemente atingida por um temporal descrito numa
matéria do Jornal A Federação de 17 de abril, como muito forte que
causou destruição em níveis elevados de casas por toda a cidade e
danificação de inúmeros postes que paralisou o serviço
telegráfico estadual.
5.3
Ondas de frio, anos frios e precipitação de neve.
1870
Azambuja (1886) cita precipitação de neve para este ano,
inclusive nas partes de relevo baixo. A população da colônia
alemã, em Caçapava do Sul, segundo o artigo, brincava com a neve
acumulada no chão tal era a quantidade. Sobre a queda de neve em
Porto Alegre, neste ano, ele faz o seguinte comentário:
Os
moradores de Porto Alegre devem recordar-se ainda do aspecto novo e
surprehendente,que, ao amanhecer do dia 27 de julho de 1870, lhe
apresentaram as montanhas que contornam a cidade, todas brancas de
neve até alto dia. Em alguns valles que avistavam da capital as
camadas de gelo duraram por dias deixando ver ao longe mmensos
lençoes brancos.
1879
Para este ano, Azambuja (1886) cita a mais intensa precipitação de
neve até então registrada:
Em
agosto de 1879 houve também na província, em Cima da Serra, a mais
forte nevada que temos notícia. Na noite de 8 para 9 desse mez os
lugares mais alto da zona colonial entre os valles do Rio dos Sinos
ficaram cobertos de neve. Em Cima da Serra no dia 7 de agosto a neve
cahio em quantidade tão forte que cobrio a terra [...] Nas colônias
de Conde D’Eu5
e D. Izabel6
o peso da neve chegou a esgalhar as deixando-as despidas de ramos.
Não houve lugar em que as camadas de gelo não tivessem pelo menos a
espessura de 0m,40. Os habitantes dessa zona ficaram aterrorisados
pela novidade do espetáculo e, na serra, o seu panico era,
augmentado pelo rumor sinistro que produsiam, cahindo, os galhos das
arvores. Si a chuva de neve continuasse por mais dous dias, diziam
elles, as casas ficariam completamente cobertas. Não houve casa, por
bem retelhada que estivesse, onde a neve não penetrasse: Cima da
Serra todo estava branco; não se via um só fio de capim nos campos.
Cartas de Cima da Serra de de agosto (10 dias depois) afirmavam que
ainda havia então pelos campos grandes massas de neve, que o sol não
podêra dissolver. Morreram animais nas estrebarias, porcos nos
chiqueiros e nos campos os prejuizos da industria pastoril enormes.
Rapidamente, 22 °C., do dia 7 e na manhã do dia 8, o termômetro
desceu até 1,5 R7.
Dias 8 e 9, o céu estava encoberto, soprando forte pampeiro.Já na
manhã do dia 8, a neve caia em flocos miúdos, no decorrer do dia.
Entre 17 e 19 hs, se transformou em nevasca [...].Se a neve não
tivesse logo derretido, teríamos moldados bonecos de neve, como os
de junho de 1873.
1885
Este ano, houve um inverno muito rigoroso com forte precipitação
de neve em vários locais, Azambuja (1886) fez os seguintes
registros sobre os acontecimentos meteorológicos daquele ano:
Durante
os mezes de abril e maio até o dia 10 de junho a temperatura foi
moderada, mas desde este dia desceu o thermometro rapidamente e a
temperatura manteve-se baixa até meiado de agosto. A temperatura
mínima registrada na capital, dentro da cidade (face norte), foi
de1°,67C., mas fóra da cidade o frio chegou a -1°C, -2°C. Em
alguns lugares da província como Bagé, Santa Maria da Bocca do
Monte, Encruzilhada, Caçapava,Cima da Serra etc. A temperatura
baixou por vezes a -2 °C e -3 °C. Em Bagé, no dia 13 de julho,
cahiram abundantes flocos de neve,[...]. Seriam 10 horas da manhã
(disse o Diario
do
Rio Grande de17 do mesmo mez), de envolta com um chuvisqueiro miudo
começaram acahir, impellidos por um violento nordeste, abundantes
capuchos de neve. Durante
meia hora continuou a chuva dos brancos flocos [...].Na
mesma cidade no dia 10 de agosto, cahio neve em muito maior
abundancia chegando as camadas a attingir a espessura de 15
centimetros[...].. Porém as cartas particulares affirmam uma
espessura maior. Segundo telegramma dirigido á repartição central
dos telegraphos, na côrte, tanta neve cahio em Bagé, no referido
dia 10, que as
linhas telegraphicas ficaram ligadas aos guarda-raios.
Pela
mesma causa interrompeu-se a communicação na linha de D.Pedrito.
Também em Cacimbinhas8
recebeu-se aviso de se achar interrompida a linha que d’ali vai a
Bagé. A neve formou em Cacimbinhas camadas da espessura de um palmo
(0m,22). No dia 11 restabeleceram-se as comunicações, sendo esta a
primeira vez em que por semelhante causa soffreram interrupção no
Brazil as comunicações telegraphicas. Carta de Santa Maria da Bocca
do Monte dirigida em 11 de agosto á Koseritz Deutsche Zeitung9
refere o seguinte: ‘Hontem tiveram os habitantes desta cidade
occasião de observaram, entre nós raríssimo phenomeno da
natureza’. Os mais antigos moradores d‘aqui não recordam de ter
visto antes um facto semelhante. Quando hontem pela manhã nos
levantamos, nevava regularmente, pois não era um ou outro floco de
neve, raro e isolado, que cahia, mas ao contrario era uma formidavel
queda de neve como estamos acostumados a ver na Allemanha.
1893
Lindman (1974) cita um trecho da expedição ragneliana, (projeto
financiado pelo médico suiço Ragnel, residente no Brasil), no qual
há uma descrição do tempo na cidade de Cruz Alta, no dia 13 de
abril, registrando frio intenso. Nas suas anotações, feitas em
Porto Alegre, na última semana de maio também registrou tempo frio.
Wenceslau (1893) comenta o relatório dos militares, da revolução
deste ano, no qual é citado intenso frio no mês de abril, mais
especificamente no dia 11, e em maio entre 19 e 24. Segundo este
documento chegou a acontecer mortes, por congelamento, dos soldados
acampados.
6.Serviço
meteorológico.
No
século XIX houve projetos para a criação de serviços
meteorológicos, citaremos aqui alguns exemplos. Na documentação
que encontramos os dados mais antigos são dos anos 1825, 1826, 1827
referentes à temperatura média (CAMARGO, 1868).
O
autor não especifica onde estavam localizadas as estações que
produziram estes dados médios.
A
maioria dos dados meteorológicos, produzidos naquela época, são
muito localizados, portanto não representam as condições de todo o
território gaúcho. Nesse sentido um projeto destacado foi o da
Commisão da Barra de Rio Grande. Entre os trabalhos foi produzida
uma série entre o período 1877 – 1882, sob a direção do
engenheiro Lopo Neto. São registros de temperatura, pressão
atmosférica, direção dos ventos e umidade para a cidade. Mais
tarde, sob a direção do engenheiro Honório Bicalho, este
observatório produziu uma série entre 1883 – 1887, onde consta,
além de temperatura, também registro de precipitação (GALARÇA,
SIMÕES 2015). Neste projeto houve a criação de uma rede
meteorológica envolvendo 21 cidades gaúchas, não conseguimos obter
informações do período que esta rede durou.
Na
cidade de Porto Alegre, em 1892, foi inaugurado o Observatório da
Secretaria de Obras Públicas sob a direção do engenheiro Dr.
Afonso Herbert. Azambuja (1893) comenta as observações de José
Antônio Leal Coelho, que considerava esse observatório como um dos
melhores do Brasil. Localizava-se no torreão norte do edifício cito
à Praça Marechal Deodoro (atual praça da Matriz) onde atualmente
está localizado o Palácio
do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Na
cidade de Pelotas começou a funcionar em 1892 uma estação
meteorológica no Lyceu Rio Grandense de Agronomia, dirigida pelo
Professor Francês Guilherme Minsen que publicou dados desta estação
até 1902. Na mesma obra também publicou dados anteriores produzidos
desde 1888.
7.Conclusão.
Devido
ao grande período de tempo, um século, não foi possível discutir
todas as informações encontradas até o momento, selecionamos
algumas notas sobre os eventos mais extremos que ocorreram,
discutiremos alguns pontos básicos.
As
anotações de Saint Hilaire, datada de 1820, foi o registro mais
antigo que encontramos sobre ocorrência de seca forte no Rio Grande
do Sul. Camargo (1868), comenta que os anos de1825 – 1827 foram
secos, com a passagem das estações imperceptíveis. Esse período
corresponde aproximadamente ao fim da pequena idade glacial,
fenômeno que provocou uma alteração no clima planetário houve
uma diminuição da temperatura média. (BRADLEY,
1985).
Por essa época, em vários locais do planeta, impactos estranhos
aconteceram como a grande seca na Argentina, entre 1827 – 1830
(DARWIN, 1871).
Outro
evento que provocou a alteração do clima em nível planetário foi
a erupção do vulcão Tambora, na ilha Sumbawa (Indonésia) em
1815. No ano de 1816 não houve verão em diversos locais, na Ásia,
América do Norte e na Europa. Os efeitos desse impacto se fizeram
sentir por vários anos em diversas partes do mundo, com crise de
abastecimento, como no caso da Suíça onde houve muitos casos de
morte por fome.
Estas
possíveis teleconexões ainda não estão discutidas na climatologia
histórica gaúcha, não existe uma análise detalhada de dados que
indiquem que estes fenômenos tenham causado, na época, alterações
significativas no clima. Uma futura pesquisa dos documentos também
outras fontes, como a arqueologia por exemplo, poderão trazer
resposta sobre isso.
A
enchente de 1873, de acordo com Ottoni (1902), deve ter sido a maior
que ocorreu no Rio Grande do sul no século XIX. Não havia na
época um serviço de medição da altura das águas, mas pela
descrição documental ela pode ter alcançado a escala da enchente
de 1941, considerada oficialmente a maior enchente que ocorreu no
estado.
No
período 1877 – 1878 ocorreu um El Niño muito forte que causou
crise alimentar em diversas partes do planeta, milhões de pessoas
morreram de fome (KILADIS, 1985).
Atualmente, de acordo com Puchalski (2000), nos anos de El Niño
forte ocorrem chuvas acima da média no Rio Grande do Sul. A seca de
1877 vai contra esse modelo provavelmente outro fator, ainda
desconhecido, interferiu no processo.
As
grandes precipitações de 1878, com chuvas fortes em setembro e
outubro, estão de acordo com o atual padrão do fenômeno.
Sobre
as nevascas ocorridas constam na documentação diversos relatos,
escolhemos os dados sobre os episódios mais fortes. Dois fatores
chamam atenção, a intensidade e a espacialidade. Nos atuais
registros meteorológicos de Porto Alegre não existem dados com a
ocorrência de uma nevasca como a de 1870. Também não existem
registros atuais de uma nevasca com a intensidade da que ocorreu em
1879. O mesmo pode-se dizer sobre a nevasca de 1885 quando houve
precipitação na região litorânea e na Campanha (AZAMBUJA, 1886)
locais sem registros oficiais de precipitação regular de neve nas
observações atuais. Não existe, para os séculos posteriores ao
dezenove, registro de precipitação de neve com essa intensidade e
em locais sem condições climáticas para precipitações regulares.
Na
presente pesquisa já encontramos indícios da repetição de ciclos
climáticos que estão além da escala da existência média de uma
pessoa, portanto muitas vezes fora da memória popular, fonte
importante para a presente pesquisa. A pergunta que ainda está sem
resposta é se fenômenos como os descritos poderão se repetir na
atualidade e qual o preparo que a sociedade atual tem para lidar com
isso.
Sobre
os projetos, daquela época, para fazer um estudo do clima do Rio
Grande do Sul aparece na documentação registros de várias
iniciativas, demonstrando que havia, por parte de alguns gaúchos, o
entendimento da importância das informações meteorológicas. Para
setores como a economia, defesa civil entre outros, estes pioneiros
já entendiam que este serviço era de fundamental importância,
citaremos
dois exemplos.
Vasques
(1893):
{…}
à capital, onde apesar da existencia de repartições públicas e
das claras disposições dos seus regulamentos sobre o assunto – é
triste e muito triste dizer- se.
Nada
existe!!! Nada se faz para o estudo da meteorologia, considerando-se
como cousa sem importância o conhecimento do clima do estado.
Ottoni
(1902):
Em
todo o mundo onde há civilização e adiantamento
fundam-se observatórios meteorológicos onde se registram as
observações para a previsão climatológica, é n´este estado
onde podiam se estabelecer regras para essas previsoes, apesar do
progresso crescente que presenciamos nada ou quasi nada haja feito
n´esse sentido e, quasi pode-se dizer não raras vezes são todos
surprehendidos na ocasião das repentinas enchentes consequentes de
grandes temporais.
8. Considerações finais.
. O pesquisador precisa gerar
ferramentas para discutir a história do clima, a historiografia é
muito importante, onde encontramos dados fundamentais para servir
como suporte na ampliação da escala do tempo de observação.
Sem a tecnologia do presente,
contando apenas com dados como os aqui descritos, tem que haver um
cuidado de interpretação para não incorrer ao erro do exagero.
Antes de analizar
um impacto climático, é necessário ter informações da geografia
local daquela época, tanto da parte natural como da social, isso
possibilita ao pesquisador fazer uma melhor aproximação da
realidade.
Por exemplo se o documento cita
a ocorrência de ventos fortes que destruíram casas é importante
saber de que materiais eram feitas estas casas. A partir desta
informação poderemos avaliar melhor a velocidade deste vento e ter
uma ideia se o cronista exagerou ou não. Por isso o conhecimento
amplo de informações não só da parte climatológica como da
história da arquitetura, jornalismo, fotografias antigas, artes
plásticas entre outras áreas, é fundamental para este trabalho.
Como citamos, a questão da
teleconexão como um recurso muito importante, que é cruzar dados
entre diferentes locais, não necessariamente da região. Com
os atuais recursos tecnológicos é possível identificar, por
exemplo, que uma grande enchente ou onda de frio que esteja ocorrendo
no estado não seja um fenômeno de origem local, mas a formação do
processo esteja em um ponto distante. Um exemplo
disto é o El Niño, cuja origem está no Pacífico Equatorial, que
nos anos de ocorrência forte causa grandes alterações do clima em
nível planetário.
Referências
bibliográficas.
Azambuja,
G.
A. Annuario
da Província do Rio Grande do Sul para o anno de 1886.
Porto
Alegre: Gundiach, 1886.
BRADLEY,
R. S. Quaternary
Paleoclimatology:
Methods of Paleoclimatology
Reconstruction, Massachusetts; Allen & Unwin, 1985.
Camargo,
E. Quadro
Estatístico e Geográfico da Província de São Pedro do Rio Grande
do Sul,
Porto Alegre, 1868.
CARVALHO,
C. M. D.
Meteorologie Du Bresil.
Londres:
John Bale, Sons & Danielson, 1917.
Costa,
F.
Terra
de Vila Rica: Contribuição ao Estudo da História do Município de
Júlio de Castilhos. Júlio de Castilhos (RS) Prefeitura
Municipal de Júlio de Castilho, 1991.
DARWIN,
C. Diário
das investigações sobre a história natural e geológica.
Nova Edição. 1871.
Departamento
Estadual de Portos Rios e Canais
(DEPREC.). Relatório
sobre as enchentes de Porto Alegre, 1941.
Franco,
SÉRGIO DA COSTA . Porto
Alegre: Guia Histórico.
Porto Alegre, UFRGS. 1998.
GALARÇA,
Paulo Jolar Pazzini; Simões, Jefferson Cardia.
Nota sobre o serviço meteorológico no Rio Grande do Sul ao longo do
século XIX. Revista brasileira de climatologia. , v.16, p.159 - 159,
2015.
Grando,
Marinês Zandavalli.
Narração do Processo de Formação de uma Colônia Agrícola no
Rio Grande do Sul no século XIX - A Colônia são Feliciano
(1861-1880)
Ensaios FEEE, Porto Alegre, 7(2) 101.132, 1986.
LALLEMAN,
R. A. Viagem
pela Província do Rio Grande do Sul. São Paulo: Itatiaia; EDUSP,
1980.
MINSEN,
G. Contribuição
para o estudo da climatologia do rio
grande
do Sul.
Observações meteorológicas feitas durante o período de
1893
a 1902.
Pelotas: Livraria Universal de Nechenique Irmãos &. Pelotas,
1902?
Ottoni,
j. B. in AZAMBUJA, G. Annuario
do Estado do Rio Grande do Sul,
1902.
.
VASQUEZ, J. A. Elementos
para o estudo e determinação do clima do Rio Grande do Sul. In:
AZAMBUJA, G. A.
Annuario
da Província do Rio Grande do Sul para o Anno de 1893. Porto
Alegre: Gundlach, 1893.
1
Mestre em Geografia. Centro Polar e Climático, Instituto de
Geociências, UFRGS pjgalarca@yahoo.com.br
2PhD,
Professor Titular, Departamento de Geografia, UFRGS e Centro Polar e
Climático, Instituto de Geociências. UFRGS,
jefferson.simões@ufrgs.br
3
Atual município de São Martinho da Serra.
4Atual
município de Júlio de Castilho.
5Atual
Garibaaldi.
6Atual
Bento Gonçalves.
7Escala
Reamur – 1,5º equivale a 1,8ºC.
8Atual
Pinheiro Machado.
9Jornal
em língua alemã editado em Porto Alegre.
Um comentário:
شركة تسليك مجاري بالقطيف
Postar um comentário