Postagens mais visitadas

sábado, abril 08, 2023

 A CRISE DA COMUNICAÇÃO.

 

Até os anos oitenta vivíamos numa sociedade analógica, as informações informações vinham dos  livros jornais e revistas, a tecnologia de ponta acessível era o rádio e a televisão, recursos mais popular ao alcance da maioria das pessoas. Quanto ao uso da televisão tínhamos que adequar os nossos horários, para assistir coisas do nosso interesse. Não raro queríamos ver, por exemplo uma entrevista ou um filme, mas o programa será a 1h da madrugada ficávamos de plantão e pagávamos com um sono atrasado que acompanharia o nosso dia. Surgiram aos poucos aparelhos que permitiam gravar, mas caros inacessível para a maioria da população.

E ai entra uma questão muito importante, no contexto social daquela época, a comunicação popular, poucos tinham condições de possuir telefone particular era necessário contar com o recurso que o estado oferecia telefones públicos distribuídos nas ruas das cidades. O custo, na comunicação a distância, ainda era um fator limitante, uma ligação intermunicipal era cara, a interestadual muito cara e a internacional era coisa para alguém muito rico.

Em 1988 um projeto da comunidade acadêmica de São Paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Laboratório Nacional de Computação Gráfica introduziu a internet no Brasil. Rapidamente houve uma grande mudança nos meios de comunicação, a oferta foi rápida de recursos que nos permitiu acesso a coisas, que antes eram inviáveis, informação em tempo real, música, filmes, jornais de todo mundo e diversas outras coisas.

Entre as novidades, a comunicação pessoal passou a ser muito acessivel, o custo baixou e as possibilidades ficaram ilimitadas, processo que deu um “pulo” com o aparecimento, no Brasil, do telefone celular em 1990.

Dessa época até o presente os avanços da tecnologia, nessa área, são numerosos e espantosamente rápidos as coisas mudam “da noite para” o dia”. Não temos mais as limitações antigas para sabermos, por exemplo, noticias de um amigo que vive noutra cidade ou noutro país, portanto as nossas relações estariam mais próximas.

Nunca fiz um estudo científico da discussão que estou propondo mas o que percebo é que apesar de toda essa evolução tecnológica e o grande diferencial, que o surgimento das redes sociais causou, estamos vivendo uma época em que as pessoas estão muito solitárias. Durante a crise da COVID, que foi um trauma para todos, amigos me mandavam noticias sobre o que estava acontecendo, geralmente a fonte era: segundo o jornal X ou a televisão Y está acontecendo isso. Quando eu entrava em contato para discutir o assunto perguntava: e ai no teu bairro o que está acontecendo? O que os teus vizinhos estão comentado? O que os teus amigos estão comentando sobre o bairro deles? Muitas vezes ouvi a resposta quase não sei, conheço pouca gente etc.

 Hoje no cotidiano tem uma coisa que observo muito, recebo de amigos material, como indicação de filmes no yotube ou reportagens de outras fontes. Leio ou assisto e fico pensando: o que essa pessoa (ele ou ela) está querendo? A minha opinião sobre o tema? As vezes mando a minha opinião geralmente não volta nenhuma resposta ou volta um emotions, dificilmente surge um diálogo, nada é construído.

Atualmente a quantidade de informações disponível é impressionante, não raro vejo pessoas, em conversas informal, fazer uma citação como uma “verdade” que descobriu, como se fosse o autor, de repente vejo outra pessoa fazer a mesma coisa e repetem sem se preocupar com a fonte. Aos poucos vou descobrindo que “aquela verdade” está por toda a internet, parece que a capacidade de processamento, da maioria das pessoas, está muito baixa, raramente ouço alguém dizer, numa situação como essa, “li ou ouvi isso, fui atrás, cruzei fontes para esclarecer melhor a questão e gerar uma análise crítica”.

Essas “verdades são repassadas, se perguntarmos para quem nos enviou de onde ele tirou esse material ou porque está repassando, muitas vezes a resposta é: fulano ou fulana me enviou e pediu para repassar, se tentarmos percorrer essa fila de “repasse” muitas vezes não acharemos a origem disso.

 

Paulo Jolar Pazzini Galarça

 

quarta-feira, novembro 20, 2019

Trabalho publicado no Anais do 1º Colóquio de Pesquisa - IHGRS


Apontes sobre a história do clima do Rio Grande do Sul ao longo do século XIX.

Paulo Jolar Pazzini Galarça.1
Jefferson Cardia Simões2.

Resumo.

Na documentação existem registros de impactos climáticos no Rio Grande do Sul desde a época da colônia. Períodos de grandes secas, enchentes e ondas de frios foram os de maior ocorrência. Também desde o início do século houveram tentativas de estabelecer um serviço meteorológico, procurando recursos para melhor entender o clima gaúcho e adaptar as atividades sociais a essas variações.

Palavras chaves.
Rio Grande do Sul – impactos climáticos meteorologia.


1.Introdução.


De acordo com a literatura oficial o início de um estudo sistematizado das características climáticas do Rio Grande do Sul está ligado à fundação da estação meteorológica da Escola de Engenharia em Porto Alegre, no ano de 1909 (Carvalho, 1917). Portanto os dados meteorológicos coletados, até o presente, são poucos para analisar um fenômeno complexo como o clima, que não está restrito as divisões cronológicas criadas pelo homem como anos e séculos. A proposta do presente trabalho é fazer uma discussão sobre o clima do R. S. para o século XIX, analisando também possíveis relações climáticas locais para o mesmo século, em nível hemisférico e mundial. Também analisar o processo de construção da informação na climatologia histórica especificamente sobre o Rio Grande do Sul.


2.Métodos.

A climatologia histórica ainda é uma área bastante desconhecida no meio acadêmico brasileiro, portanto é raro dados de referências relativas ao século XIX, na literatura atual em nível nacional e no caso do Rio Grande do Sul inexistentes.
Para este trabalho inicialmente procuramos, na literatura internacional, metodologias para criar recursos adaptados à nossa realidade de pesquisa. Mapeamos os nichos com potencialidade de documentos do nosso interesse.
Também investigamos o trabalho dos historiadores, especialmente gaúchos, cujos trabalhos embora não tenha a proposta de análise do clima, por vezes o autor pode citar um dado que por outra leitura com “olhar climatológico” nos forneça pistas importantes.


3 Materiais.

Os recursos para o presente trabalho consistiu na consulta ao nosso banco de dados construído através dos seguintes procedimentos:

3.1 Levantamento bibliográfico sobre o Rio Grande do Sul no século XIX, para melhor entender o contexto social da época.
3.2 Levantamento bibliográfico sobre o clima do Rio Grande do Sul, na atualidade, para usar como recurso de comparação.

3.3 Mapeamento de arquivos históricos com potencialidade de acervo documental do nosso interesse. Além da visita física aos acervos fizemos um trabalho pela internet procurando dados on line, em instituições com um trabalho reconhecido. Constatamos que existe uma enorme documentação sobre o Rio Grande do Sul, com dados climatológicos do século XIX, espalhadas em acervos brasileiros e em outros países com na Alemanha por exemplo.

3.4 Reunião com historiadores, climatologistas e meteorologistas para discutir essas diferentes produções científicas que estão relacionadas com a nossa área de trabalho.


4 Resultados e discussões.

As fontes que usamos são basicamente documentos produzidos localmente, como dados administrativos, notícias de jornais da época, observadores do clima aqui residentes e viajantes naturalistas. Os dados dos viajantes são muito importantes para esse trabalho porém com a restrição de abrangerem períodos curtos, por estarem de passagem.

Na documentação histórica sobre o Rio Grande do Sul, em especial as de épocas mais recuadas, as condições normais do tempo meteorológico raramente aparecem descritas. É mais comum encontrarmos registros de impactos climáticos fortes, que não representam as características médias do clima de um determinado local.
Aproximadamente pela metade do século XIX é que começam a aparecer mais projetos de observações meteorológicas feitas em estações, ainda muito localizadas, mas que já permite ter uma ideia de condições médias.
Quanto aos dados que obtivemos sobre o clima do Rio Grande do Sul ao longo do século XIX, aqui discutiremos mais detalhadamente os descritivos.


5 Dados descritivos.

Nesta categoria estão os registros documentais mais antigos e mais abrangentes espacialmente, para o presente trabalho analisaremos as ocorrências que causaram impactos climáticos muito fortes produzidos por secas, enchentes e ondas de frio.


5.1 Secas e anos secos


1820 Para este ano, Santo-hilariense (1974) cita a ocorrência de uma grande seca, observação feita pelo viajante e também relatos por ele recolhidos nas diferentes localidades onde passou. O viajante comenta que a seca estava atingindo uma grande área da província.

1825 -1827 Camargo (1868) cita que este período foi seco com a passagem das estações quase imperceptível.
1858 Lalleman (1980) refere-se a uma seca, com o período mais forte no verão e no outono. Descreve essas estações, desse ano, como muito secas. Segundo ele, durante este período inúmeros riachos e afluentes secaram. Ele não dá detalhes em que lugares especificamente ele observou a seca, com exceção da descrição que fez a respeito de São Borja. Durante a sua estadia nesta cidade, no mês de abril, comenta a crise da população, pela falta de água potável, devido ao fato que a maioria dos poços secaram. O povo estava a ponto de começar a se abastecer de água, para as suas funções básicas, no rio Uruguai.

1877 Para este ano a ocorrência de uma forte seca está muito bem documentada, entre muitos registros que encontramos, relatando este impacto, selecionamos alguns que ilustram bem a situação:
Grando (1986) cita que no início do ano a seca já estava forte, segundo ela sem a ajuda do governo havia risco de morte por fome entre os agricultores mais pobres.
Costa (1991) faz o seguinte comentário sobre esta seca:


Durante seis meses não caiu, em todo o município de São Martinho3, uma só gota d’água. No Povo Novo4, o rio Guaçupi se transformou-se apenas em “um rosário de pequenas poças”. Outras fontes da região se tornaram famosas porque ainda se mantiveram vertentes. Os açudes secaram. As árvores dos matos perderam suas folhas ao alcance do gado, como se fossem roçadas. E o capim dos campos secaram completamente. Os antigos contam que os focos de fogo na pastagem esbranquiçada deviam ser atacadas imediatamente. Os animais magros eram sacrificados e arrastados, com o ventre aberto, para deter a rápida corrida das chamas. Os rebanhos foram dizimados e toda a plantação irremediavelmente perdida.



No relatório remetido em 21 de maio de 1877, pelo Dr. João Dias de Castro, 2.º vice-presidente da Província, este declara, ao administrador da Província, que sob sua responsabilidade abriu um crédito extraordinário para socorrer as vítimas da seca. Também declara que tinha enviado circulares às municipalidades para contabilizarem as despesas com indigentes vítimas desse flagelo


5.2 Enchentes e anos chuvosos.


1823 Franco (1998), em base da ata da Câmara Municipal de Porto Alegre de 26 de maio, refere-se a uma grande enchente ocorrida na cidade. Segundo ele, a cheia destruiu a maior parte das plantações recentes, cujas colheitas ainda não tinham sido feitas. Em função disso, houve a promulgação de uma lei proibindo a “saída de gêneros para fora da terra”, (Rio Grande do Sul).

1833 Isabèlle (1983), em viagem pela então Província, observou uma enchente que, de acordo com a sua descrição, foi muito forte. Segundo Franco (1998), Isabèlle, quando se refere a Porto Alegre, cita que a enchente causou grandes prejuízos às casas do porto, Franco (ibidem) afirma que o viajante estava se referindo à Rua da Praia, Ainda neste ano houve enchentes generalizadas em todo o território gaúcho. No mês de setembro, em Porto Alegre, a enchente atingiu grandes proporções, segundo a Fundação de Planejamento Metropolitano e Regional (METROPLAN,2001).

1873 No Relatório da Directoria Geral dos Negócios da Fazenda Provincial, assinado por João Pedro Carvalho Moraes (1874), consta o registro de uma grande inundação nos seguintes termos:

Em conseqüência das grandes chuvas que cahairão sobre esta capital e no valle do Jacuhy nos primeiros dias do mez de outubro do ano passado avolumarão-se de tal forma as aguas do Guahyba que a enchente assumiu proporções enormes produzindo grandes prejuizos não só aos habitantes desta cidade e das ilhas fronteiras assim como os afluentes daquelle rio.




Ottoni (1902) comenta esta grande enchente que, segundo ele, teve o seu período mais forte em fins de setembro, esta catástrofe causou “clamor” da população devido aos grandes prejuízos. Em função disso, o governo imperial encarregou-o de elaborar um projeto sobre a questão. [...]. Ele considerou, essa a máxima enchente que atingiu o vale do rio Jacuí, embora afirme que foi mais forte no vale do rio Ibicuí.
De acordo com o relatório do Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais (DEPREC, 1941), ainda não havia medições da altura do Guaíba. Mas, em base de relatos populares, calcula-se que esta enchente alcançou a altura aproximada de 3,60 m, referida ao atual ponto zero do porto da capital.

1878 Este ano foi de intensas chuvas no relatório de 1878 do desembargador Francisco Farias Lemos, está registrado a ocorrência de uma enchente nos seguintes termos:




Em consequência de copiosas chuvas havidas nos primeiros dias do mez de junho do anno findo, ficarão inundados as ilhas fronteiras a esta capital e diversas povoações a oeste de S. Leopoldo. Apenas tive notícia de taes factos, providenciei para o delegado da capitania do porto, em um vapor de propriedade particular [...] fossem socorrer as victimas de inundação, levando os víveres indispensáveis, afim de serem distribuídos pelos que se achavam sem recursos [...]. Quanto ao comandante da referida canhoneira, havia socorrido as povoações mais próximas a esta capital, teve que regressar para tomar novas provisões de víveres e levar a lugares mais distantes os auxilios que eram mister [...].No mez de Dezembro crescerão extraordinariamente as águas do rio Guahyba, em conseqüência de chuvas abundantes.






1899 O Relatório de Obras Públicas (1900) cita uma série de catástrofes ocorridas praticamente em todo o Rio Grande do Sul, segundo este documento as cidades do interior mais atingidas foram: Ijui, Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga e Cachoeira do Sul. Além das enchentes ocorridas em Porto Alegre e arredores, a cidade, nesta ocasião, foi fortemente atingida por um temporal descrito numa matéria do Jornal A Federação de 17 de abril, como muito forte que causou destruição em níveis elevados de casas por toda a cidade e danificação de inúmeros postes que paralisou o serviço telegráfico estadual.


5.3 Ondas de frio, anos frios e precipitação de neve.

1870 Azambuja (1886) cita precipitação de neve para este ano, inclusive nas partes de relevo baixo. A população da colônia alemã, em Caçapava do Sul, segundo o artigo, brincava com a neve acumulada no chão tal era a quantidade. Sobre a queda de neve em Porto Alegre, neste ano, ele faz o seguinte comentário:


Os moradores de Porto Alegre devem recordar-se ainda do aspecto novo e surprehendente,que, ao amanhecer do dia 27 de julho de 1870, lhe apresentaram as montanhas que contornam a cidade, todas brancas de neve até alto dia. Em alguns valles que avistavam da capital as camadas de gelo duraram por dias deixando ver ao longe mmensos lençoes brancos.


1879 Para este ano, Azambuja (1886) cita a mais intensa precipitação de neve até então registrada:



Em agosto de 1879 houve também na província, em Cima da Serra, a mais forte nevada que temos notícia. Na noite de 8 para 9 desse mez os lugares mais alto da zona colonial entre os valles do Rio dos Sinos ficaram cobertos de neve. Em Cima da Serra no dia 7 de agosto a neve cahio em quantidade tão forte que cobrio a terra [...] Nas colônias de Conde D’Eu5 e D. Izabel6 o peso da neve chegou a esgalhar as deixando-as despidas de ramos. Não houve lugar em que as camadas de gelo não tivessem pelo menos a espessura de 0m,40. Os habitantes dessa zona ficaram aterrorisados pela novidade do espetáculo e, na serra, o seu panico era, augmentado pelo rumor sinistro que produsiam, cahindo, os galhos das arvores. Si a chuva de neve continuasse por mais dous dias, diziam elles, as casas ficariam completamente cobertas. Não houve casa, por bem retelhada que estivesse, onde a neve não penetrasse: Cima da Serra todo estava branco; não se via um só fio de capim nos campos. Cartas de Cima da Serra de de agosto (10 dias depois) afirmavam que ainda havia então pelos campos grandes massas de neve, que o sol não podêra dissolver. Morreram animais nas estrebarias, porcos nos chiqueiros e nos campos os prejuizos da industria pastoril enormes. Rapidamente, 22 °C., do dia 7 e na manhã do dia 8, o termômetro desceu até 1,5 R7. Dias 8 e 9, o céu estava encoberto, soprando forte pampeiro.Já na manhã do dia 8, a neve caia em flocos miúdos, no decorrer do dia. Entre 17 e 19 hs, se transformou em nevasca [...].Se a neve não tivesse logo derretido, teríamos moldados bonecos de neve, como os de junho de 1873.


1885 Este ano, houve um inverno muito rigoroso com forte precipitação de neve em vários locais, Azambuja (1886) fez os seguintes registros sobre os acontecimentos meteorológicos daquele ano:


Durante os mezes de abril e maio até o dia 10 de junho a temperatura foi moderada, mas desde este dia desceu o thermometro rapidamente e a temperatura manteve-se baixa até meiado de agosto. A temperatura mínima registrada na capital, dentro da cidade (face norte), foi de1°,67C., mas fóra da cidade o frio chegou a -1°C, -2°C. Em alguns lugares da província como Bagé, Santa Maria da Bocca do Monte, Encruzilhada, Caçapava,Cima da Serra etc. A temperatura baixou por vezes a -2 °C e -3 °C. Em Bagé, no dia 13 de julho, cahiram abundantes flocos de neve,[...]. Seriam 10 horas da manhã (disse o Diario do Rio Grande de17 do mesmo mez), de envolta com um chuvisqueiro miudo começaram acahir, impellidos por um violento nordeste, abundantes capuchos de neve. Durante meia hora continuou a chuva dos brancos flocos [...].Na mesma cidade no dia 10 de agosto, cahio neve em muito maior abundancia chegando as camadas a attingir a espessura de 15 centimetros[...].. Porém as cartas particulares affirmam uma espessura maior. Segundo telegramma dirigido á repartição central dos telegraphos, na côrte, tanta neve cahio em Bagé, no referido dia 10, que as linhas telegraphicas ficaram ligadas aos guarda-raios.
Pela mesma causa interrompeu-se a communicação na linha de D.Pedrito. Também em Cacimbinhas8 recebeu-se aviso de se achar interrompida a linha que d’ali vai a Bagé. A neve formou em Cacimbinhas camadas da espessura de um palmo (0m,22). No dia 11 restabeleceram-se as comunicações, sendo esta a primeira vez em que por semelhante causa soffreram interrupção no Brazil as comunicações telegraphicas. Carta de Santa Maria da Bocca do Monte dirigida em 11 de agosto á Koseritz Deutsche Zeitung9 refere o seguinte: ‘Hontem tiveram os habitantes desta cidade occasião de observaram, entre nós raríssimo phenomeno da natureza’. Os mais antigos moradores d‘aqui não recordam de ter visto antes um facto semelhante. Quando hontem pela manhã nos levantamos, nevava regularmente, pois não era um ou outro floco de neve, raro e isolado, que cahia, mas ao contrario era uma formidavel queda de neve como estamos acostumados a ver na Allemanha.



1893 Lindman (1974) cita um trecho da expedição ragneliana, (projeto financiado pelo médico suiço Ragnel, residente no Brasil), no qual há uma descrição do tempo na cidade de Cruz Alta, no dia 13 de abril, registrando frio intenso. Nas suas anotações, feitas em Porto Alegre, na última semana de maio também registrou tempo frio. Wenceslau (1893) comenta o relatório dos militares, da revolução deste ano, no qual é citado intenso frio no mês de abril, mais especificamente no dia 11, e em maio entre 19 e 24. Segundo este documento chegou a acontecer mortes, por congelamento, dos soldados acampados.




6.Serviço meteorológico.
No século XIX houve projetos para a criação de serviços meteorológicos, citaremos aqui alguns exemplos. Na documentação que encontramos os dados mais antigos são dos anos 1825, 1826, 1827 referentes à temperatura média (CAMARGO, 1868). O autor não especifica onde estavam localizadas as estações que produziram estes dados médios.
A maioria dos dados meteorológicos, produzidos naquela época, são muito localizados, portanto não representam as condições de todo o território gaúcho. Nesse sentido um projeto destacado foi o da Commisão da Barra de Rio Grande. Entre os trabalhos foi produzida uma série entre o período 1877 – 1882, sob a direção do engenheiro Lopo Neto. São registros de temperatura, pressão atmosférica, direção dos ventos e umidade para a cidade. Mais tarde, sob a direção do engenheiro Honório Bicalho, este observatório produziu uma série entre 1883 – 1887, onde consta, além de temperatura, também registro de precipitação (GALARÇA, SIMÕES 2015). Neste projeto houve a criação de uma rede meteorológica envolvendo 21 cidades gaúchas, não conseguimos obter informações do período que esta rede durou.
Na cidade de Porto Alegre, em 1892, foi inaugurado o Observatório da Secretaria de Obras Públicas sob a direção do engenheiro Dr. Afonso Herbert. Azambuja (1893) comenta as observações de José Antônio Leal Coelho, que considerava esse observatório como um dos melhores do Brasil. Localizava-se no torreão norte do edifício cito à Praça Marechal Deodoro (atual praça da Matriz) onde atualmente está localizado o Palácio do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Na cidade de Pelotas começou a funcionar em 1892 uma estação meteorológica no Lyceu Rio Grandense de Agronomia, dirigida pelo Professor Francês Guilherme Minsen que publicou dados desta estação até 1902. Na mesma obra também publicou dados anteriores produzidos desde 1888.


7.Conclusão.

Devido ao grande período de tempo, um século, não foi possível discutir todas as informações encontradas até o momento, selecionamos algumas notas sobre os eventos mais extremos que ocorreram, discutiremos alguns pontos básicos.
As anotações de Saint Hilaire, datada de 1820, foi o registro mais antigo que encontramos sobre ocorrência de seca forte no Rio Grande do Sul. Camargo (1868), comenta que os anos de1825 – 1827 foram secos, com a passagem das estações imperceptíveis. Esse período corresponde aproximadamente ao fim da pequena idade glacial, fenômeno que provocou uma alteração no clima planetário houve uma diminuição da temperatura média. (BRADLEY, 1985). Por essa época, em vários locais do planeta, impactos estranhos aconteceram como a grande seca na Argentina, entre 1827 – 1830 (DARWIN, 1871).
Outro evento que provocou a alteração do clima em nível planetário foi a erupção do vulcão Tambora, na ilha Sumbawa (Indonésia) em 1815. No ano de 1816 não houve verão em diversos locais, na Ásia, América do Norte e na Europa. Os efeitos desse impacto se fizeram sentir por vários anos em diversas partes do mundo, com crise de abastecimento, como no caso da Suíça onde houve muitos casos de morte por fome.
Estas possíveis teleconexões ainda não estão discutidas na climatologia histórica gaúcha, não existe uma análise detalhada de dados que indiquem que estes fenômenos tenham causado, na época, alterações significativas no clima. Uma futura pesquisa dos documentos também outras fontes, como a arqueologia por exemplo, poderão trazer resposta sobre isso.
A enchente de 1873, de acordo com Ottoni (1902), deve ter sido a maior que ocorreu no Rio Grande do sul no século XIX. Não havia na época um serviço de medição da altura das águas, mas pela descrição documental ela pode ter alcançado a escala da enchente de 1941, considerada oficialmente a maior enchente que ocorreu no estado.
No período 1877 – 1878 ocorreu um El Niño muito forte que causou crise alimentar em diversas partes do planeta, milhões de pessoas morreram de fome (KILADIS, 1985). Atualmente, de acordo com Puchalski (2000), nos anos de El Niño forte ocorrem chuvas acima da média no Rio Grande do Sul. A seca de 1877 vai contra esse modelo provavelmente outro fator, ainda desconhecido, interferiu no processo. As grandes precipitações de 1878, com chuvas fortes em setembro e outubro, estão de acordo com o atual padrão do fenômeno.
Sobre as nevascas ocorridas constam na documentação diversos relatos, escolhemos os dados sobre os episódios mais fortes. Dois fatores chamam atenção, a intensidade e a espacialidade. Nos atuais registros meteorológicos de Porto Alegre não existem dados com a ocorrência de uma nevasca como a de 1870. Também não existem registros atuais de uma nevasca com a intensidade da que ocorreu em 1879. O mesmo pode-se dizer sobre a nevasca de 1885 quando houve precipitação na região litorânea e na Campanha (AZAMBUJA, 1886) locais sem registros oficiais de precipitação regular de neve nas observações atuais. Não existe, para os séculos posteriores ao dezenove, registro de precipitação de neve com essa intensidade e em locais sem condições climáticas para precipitações regulares.
Na presente pesquisa já encontramos indícios da repetição de ciclos climáticos que estão além da escala da existência média de uma pessoa, portanto muitas vezes fora da memória popular, fonte importante para a presente pesquisa. A pergunta que ainda está sem resposta é se fenômenos como os descritos poderão se repetir na atualidade e qual o preparo que a sociedade atual tem para lidar com isso.
Sobre os projetos, daquela época, para fazer um estudo do clima do Rio Grande do Sul aparece na documentação registros de várias iniciativas, demonstrando que havia, por parte de alguns gaúchos, o entendimento da importância das informações meteorológicas. Para setores como a economia, defesa civil entre outros, estes pioneiros já entendiam que este serviço era de fundamental importância, citaremos dois exemplos.


Vasques (1893):


{…} à capital, onde apesar da existencia de repartições públicas e das claras disposições dos seus regulamentos sobre o assunto – é triste e muito triste dizer- se.
Nada existe!!! Nada se faz para o estudo da meteorologia, considerando-se como cousa sem importância o conhecimento do clima do estado.



Ottoni (1902):


Em todo o mundo onde há civilização e adiantamento fundam-se observatórios meteorológicos onde se registram as observações para a previsão climatológica, é n´este estado onde podiam se estabelecer regras para essas previsoes, apesar do progresso crescente que presenciamos nada ou quasi nada haja feito n´esse sentido e, quasi pode-se dizer não raras vezes são todos surprehendidos na ocasião das repentinas enchentes consequentes de grandes temporais.



8. Considerações finais.

. O pesquisador precisa gerar ferramentas para discutir a história do clima, a historiografia é muito importante, onde encontramos dados fundamentais para servir como suporte na ampliação da escala do tempo de observação.
Sem a tecnologia do presente, contando apenas com dados como os aqui descritos, tem que haver um cuidado de interpretação para não incorrer ao erro do exagero. Antes de analizar um impacto climático, é necessário ter informações da geografia local daquela época, tanto da parte natural como da social, isso possibilita ao pesquisador fazer uma melhor aproximação da realidade.
Por exemplo se o documento cita a ocorrência de ventos fortes que destruíram casas é importante saber de que materiais eram feitas estas casas. A partir desta informação poderemos avaliar melhor a velocidade deste vento e ter uma ideia se o cronista exagerou ou não. Por isso o conhecimento amplo de informações não só da parte climatológica como da história da arquitetura, jornalismo, fotografias antigas, artes plásticas entre outras áreas, é fundamental para este trabalho.
Como citamos, a questão da teleconexão como um recurso muito importante, que é cruzar dados entre diferentes locais, não necessariamente da região. Com os atuais recursos tecnológicos é possível identificar, por exemplo, que uma grande enchente ou onda de frio que esteja ocorrendo no estado não seja um fenômeno de origem local, mas a formação do processo esteja em um ponto distante. Um exemplo disto é o El Niño, cuja origem está no Pacífico Equatorial, que nos anos de ocorrência forte causa grandes alterações do clima em nível planetário.





Referências bibliográficas.

Azambuja, G. A. Annuario da Província do Rio Grande do Sul para o anno de 1886. Porto Alegre: Gundiach, 1886.

BRADLEY, R. S. Quaternary Paleoclimatology: Methods of Paleoclimatology Reconstruction, Massachusetts; Allen & Unwin, 1985.

Camargo, E. Quadro Estatístico e Geográfico da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1868.

CARVALHO, C. M. D. Meteorologie Du Bresil. Londres: John Bale, Sons & Danielson, 1917.

Costa, F. Terra de Vila Rica: Contribuição ao Estudo da História do Município de Júlio de Castilhos. Júlio de Castilhos (RS) Prefeitura Municipal de Júlio de Castilho, 1991.


DARWIN, C. Diário das investigações sobre a história natural e geológica. Nova Edição. 1871.


Departamento Estadual de Portos Rios e Canais (DEPREC.). Relatório sobre as enchentes de Porto Alegre, 1941.


Franco, SÉRGIO DA COSTA . Porto Alegre: Guia Histórico. Porto Alegre, UFRGS. 1998.


GALARÇA, Paulo Jolar Pazzini; Simões, Jefferson Cardia. Nota sobre o serviço meteorológico no Rio Grande do Sul ao longo do século XIX. Revista brasileira de climatologia. , v.16, p.159 - 159, 2015.


Grando, Marinês Zandavalli. Narração do Processo de Formação de uma Colônia Agrícola no Rio Grande do Sul no século XIX - A Colônia são Feliciano (1861-1880) Ensaios FEEE, Porto Alegre, 7(2) 101.132, 1986.


LALLEMAN, R. A. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul. São Paulo: Itatiaia; EDUSP, 1980.

MINSEN, G. Contribuição para o estudo da climatologia do rio grande do Sul. Observações meteorológicas feitas durante o período de 1893 a 1902. Pelotas: Livraria Universal de Nechenique Irmãos &. Pelotas, 1902?


Ottoni, j. B. in AZAMBUJA, G. Annuario do Estado do Rio Grande do Sul, 1902.

. VASQUEZ, J. A. Elementos para o estudo e determinação do clima do Rio Grande do Sul. In: AZAMBUJA, G. A. Annuario da Província do Rio Grande do Sul para o Anno de 1893. Porto Alegre: Gundlach, 1893.


1 Mestre em Geografia. Centro Polar e Climático, Instituto de Geociências, UFRGS pjgalarca@yahoo.com.br

2PhD, Professor Titular, Departamento de Geografia, UFRGS e Centro Polar e Climático, Instituto de Geociências. UFRGS, jefferson.simões@ufrgs.br
3 Atual município de São Martinho da Serra.
4Atual município de Júlio de Castilho.
5Atual Garibaaldi.
6Atual Bento Gonçalves.
7Escala Reamur – 1,5º equivale a 1,8ºC.
8Atual Pinheiro Machado.
9Jornal em língua alemã editado em Porto Alegre.

sábado, setembro 17, 2016

Mel da lichiguana.
                No passeio da véspera havíamos passado junto a uma caixa de abelhas selvagens, suspensa, cerca de pé e meio da terra, a um ramo de arbusto, era quase oval, do tamanho de uma cabeça e de uma consistência semelhante à das colméias européias. Matias e José Mariano tinham ido destruir essa colméia para tirar o mel.
                Comemos os três desse mel. Fui segundo Jose Mariano, o que mais comeu, e avalio não ter tomado quantidade a duas colheradas. Senti logo uma dor de estômago, mais incômoda que forte e deitei-me em baixo da carruagem, com a cabeça apoiada sobre uma pasta do herbário, caindo em uma espécie de sonolência, durante a qual senti-me transportado aos espaços celestiais, ouvindo uma voz que gritava: “Ele não se perderá, há um anjo que o protege”.  Nesse instante minha irmã veio buscar-me pela mão. Achava-se vestida de branco, com uma faixa ao redor do corpo e sua fisionomia aparência de inexpressável calma e serenidade. Tomou-me pela mão, sem me olhar e sem proferir uma só palavra, e conduziu-me perante o tribunal de Deus. Lembrei-me das últimas palavras da parábola do Bom Pastor e acordei.
                Levantei-me, mas senti tal fraqueza que não pude dar mais de cinquenta  passos; voltei para debaixo da carruagem e senti-me quase instantaneamente com o rosto banhado em lágrimas, atribuíveis à emoção causada pelo sonho acima exposto. Envergonhei-me de tal fraqueza e pus-me a sorrir, mas apesar de tudo, esse sorriso prolongou-se e tornou-se convulsivo e cobri a cabeça para que meus camaradas não notassem. Contudo, tive ainda forças para dar algumas ordens ao Firmiano; entrementes José Mariano chegou. Disse – me com ar gaiato, mas um pouco perturbado que se achava embriagado e que há uma meia hora corria pela mata. Assentou –se então sob a carruagem apoiando-se sobre uma roda, convidando-me a tomar lugar. Com dificuldade até lá ; senti-me extremamente fraco e apoiei a cabeça sobre os ombros de José Mariano. Foi então que começou a mais cruel agonia. Uma espessa nuvem escureceu minhas vistas e não me foi possível distinguir senão o do céu de mistura com algumas nuvens e as sombras dos meus empregados. Cai no ultimo grau  de fraqueza e sem sofrer muito experimentei contudo experimentei contudo todas as angustias da morte. Todavia conservei perfeitamente a lembrança de tudo que vi e entendi; uma narrativa feita por Laruotte está conforme o que recordo.
                Há cerca de dois anos, disse eu a José Mariano, que nós fechamos os olhos de nossos amigo, ide hoje assistir ao meu ultimo suspiro. – Estou bem mal também, respondeu-me ele, vamos morrer juntos nesse deserto. Pedi vinagre concentrado e aspirei-o varias vezes com força, sentindo-me um pouco reanimado por alguns segundos, retornando logo ao abatimento. Laruotte achava-se ausente quando comecei a sentir-me mal, mas mandei chamá-lo e ele cuidou-me com desvelo. Tinha ao redor de min esse empregado, Firmiano o índio peão, Matias e José Firmiano; e estes dois também muito molestados.
                Meus amigos, disse-lhes em português, sinto que vou expirar neste deserto, longe da minha família e de meus pais; as sombras da morte rodeiam-me; vou juntar-me a esses anjos que me incitam a segui-los. Não sou mau, nunca fiz mal a ninguém, minhas faltas são perante Deus, que me perdoará, espero-o, ou talvez me punirá. Uma luta cruel  mas de curta duração passou-se pela minha alma. Minha mãe e meu sobrinho não precisam de min, mas esses pobre Firmino que atirei nestes desertos, que será dele quando eu não mais existir? Matias recomenda-o ao Conde de Figueira; que ele nunca seja escravo de ninguém. Quis afastá-lo, mas em seguida chamei-o para junto de min. e vi algumas lágrimas correr de seus olhos. “Matias, perdoo-te o mal que me fizeste Lauroette, sabeis que minhas coleções pertencem ao Museu de Historia Natural; meus manuscritos devem ser remetidos a minha família.
                O sonho que havia tido, logo de inicio dessa crise, apresentava-se sem cessar em meu cérebro e senti-me possuído de uma força invisível para contá-lo.
                As palavras que venho relatando não foram ditas seguidamente, mas com longas pausas, de modo entrecortado. Quis falar Frances mas a memória somente fornecia-me vocábulos portugueses, e mesmo ao Laruotte falei quase só em português.
                Ao começar a cair nesse estado esquisito experimentei beber vinagre e água, mas não melhorando pedi água morna para ver se consegui expelir o mel que tanto mal causara. Notei que , se engolir, a nuvem que me toldava a vista desaparecia por instantes. Pus-me a beber grandes goles, sem interrupção. Segundo me disse Lauoroette devo ter bebido dezesseis pintas.
Pedi-lhe sem cessar um vomitivo; ele procurou em todas as malas, mas atordoado pelo que se passava não conseguia encontrar. Estando eu debaixo da carruagem não podia vê-lo, mas parecia estar a enxergá-lo e censurei sua lentidão, sendo essa a única falta que cometid durante tal agonia.    
                Nesse ínterim Jose Mariano levantou-se sem que eu desse por isso, mas logo meus ouvidos foram atingidos por seus gritos. No momento achava-me melhor; a nuvem que me escurecia os olhos dissipou-se um pouco e nenhum dos movimentos desse criado me escapou. Rasgava as vestes com furor ficando inteiramente nu; tomou uma espingarda e deu um tiro; Matias arrebatou-lhe a arma e ele pos-se a correr pelo campo, chamando em seu socorro, com todas as forças, Nossa Senhora Aparecida, pedindo suas armas, gritando que todo o campo estava incendiando, e que as malas iam ficar queimadas e que era preciso fechá-las. O peão índio tentou segura-lo mas vendo que não seria bem sucedido o deixou.
                Até aqui Matias não tinha cessado de me dispensar cuidados, mas ele, também começou a sentir muito mal. Entretanto como conseguia vomitar logo e como era de compleição robusta retomou prontamente suas forças. Laruoette disse - me depois que sua figura estivera horrenda e de extrema palidez. Irei disse ele repentinamente, dar aviso à guarda e já era tarde. Montou a cavalo e pôs-se a galopar no campo, mas logo lourette viu-o cair. Levantar-se e pôr-se de novo a galopar, mas logo tornou a cair e algumas horas depois foi encontrado profundamente adormecido no local onde caíra por último.
                Vi-me, ainda semimorto, com um homen furioso e duas crianças para cuidar de min, pois Firmiano  e Laruoette não podem ser considerados como homens. José Mariano deu-me as maiores preocupações. No mesmo instante pensei na possibilidade de sermos atacados pelos espanhóis e essa lembrança transtornou-me as idéias.
                Quando estive pior pareceu-me ver o cão do guia que me acompanhou até ontem. Perguntando a Larouette e firmiano se isso tinha sido uma visão responderam-me que não, por isso veio-me a esperança do retorno de Joaquim e do novo guia; isso reanimou-me e não cessei de perguntar-lhe se não avistaram alguém chegando.
                Entrementes José Mariano veio assentar-se junto de min. Estava mais calmo e tinha envolvido qualquer coisa ao redor da cintura. “Patrão, disse-me ele, daí-me água, estou numa fogueira”.
....  Vêde, meu amigo estou doente, mas o regato fica próximo daqui “.
“....Dai-me o braço, meu patrão, há tanto tempo estou convosco e sempre fui um empregado fiel”.
Tomei-lhe a mão e disse algumas palavras tranqüilizadoras.
                Enquanto isso a água quente, que eu tomara em prodigiosa quantidade, terminou por fazer efeito. Vomitei, com muita água, os alimentos ingeridos pela manhã. Senti-me muito melhor, distinguindo claramente a carruagem, as pastagens e as árvores; a nuvem não encobria mais os objetos, algumas vezes ela reaparecia, mas sumia logo. Vi que estava quase nu e tive vergonha. Olhei as mãos e vi com satisfação que elas mexiam. O estado em que vi José Mariano tranquilizou-me  apesar de ficar cruelmente atormentado de ver seu sofrimento e acreditei não poder mais vê-lo completamente bom de jizo.
                Um segundo vomito trouxe-me mais alivio que o primeiro. Distingui os objetos mais claramente ainda e pude, com agrado, falar Frances e português, minhas idéias tornaram-se mais concisas e indiquei claramente a Lauruotte  onde se ahcava o vomitivo. Tomeio por 3 vezes e acabei por lançar torrente de água, todos os alimentos que ingerira. Até o momento em que deite fora a terceira porção de vomitivo experimentava uma espécie de prazer em tomar água quente, mas daí por diante ela começou a repugnar-me e deixei de bebê-la.
                Durante alguns instantes senti dormência nos dedos, mas isso teve curta duração. A nuvem desapareceu completamente, minhas idéias tornaram-se claras e pouco a pouco, senti-me curado. Mandei faze chá e tomei três xícaras. Levantei-me passeei, corri e fui o primeiro a rir de tudo o que se passava.
Episódio ocorrido as margens do arroio Guarapuitã.
Trecho do livro Viagem ao Rio Grande do Sul.

Auguste de Saint Hilaire.

quarta-feira, junho 08, 2016

domingo, abril 19, 2015

Chuva de feijão


A Republica, da Fortaleza, publicou a seguinte notícia:
“O Sr. Bemvindo Alves Pereira. Conductor do trem de Baturité, teve a gentileza de vir ao nosso escriptorio trazer-nos uma amostra das sementes de que se cobriram os campos da fazenda Floresta, a 5 kilometros da estação do junco, por ocasião de uma chuva diluviana, cahida ali há três dias.
            Essas sementes, que foram fartamente disseminadas por uma extensa área, têm o mesmo sabor, forma e cor do nosso feijão mulatinho, se bem que sejam mais consistente que elle.
            No anno passado foi nos remettida uma amostra de idênticas sementes, encontradas, não nos recordamos bem onde, após uma chuva torrencial.
            Sobre esse curioso phenomeno fizemos, nessa ocasião, algumas considerações e publicamos uma carta que nos enviaram:- desejávamos, porém ouvir a respeito a opinião competente de um entendido.
            Esse maná, da nova espécie, cahido do ceo, por descuido, fica em nosso escriptorio a disposição de quem quer examinar.
Jaguarão (RS) Jornal A ordem – terça feira, 11 de abril de 1899.